sexta-feira, 2 de março de 2012

A iluminada história do capitalista fusca nazi hippie

CAPÍTULO IV

Tive um ótimo sono. Fazia tempo que não dormia bem. Confesso que comparado aos últimos dias foi o momento mais lúcido pelo qual passei. Estranho como as coisas vieram à tona de forma tão limpa.

...

- O que você é do Vincent?
- Esposa.
- O que? Você é casada com ele? Mas... desde quando?
- Faz poucos meses, mas o conheço faz anos...
- Mas vocês não parecem casados! Ele interage com todo mundo aqui na comunidade, já você...
- Eu?
- É... bem... você não! – fiquei sem saber como dizer que Vincent levava algumas mulheres na conversa enquanto Louie se mantinha na defensiva.
- Olha... existem coisas que não precisam ser explicadas, mas meu casamento é um pouco diferente.
- Como assim?
- Sou casada com Vincent, mas fiz isso com outros propósitos. É uma história que prefiro guardar comigo, não posso falar com quem não tenho intimidade.

...

Nosso papo foi longe. Conversamos bastante tempo. Falei da minha vida, ela da dela. Louie perguntava bastante sobre os ideais da comunidade, se eu acreditava em todo sonho paz e amor. Percebi que ela tinha mais o que falar, não era apenas indagações, Louie buscava alguém pra compartilhar algo.

A primeira vez que ela me deu abertura, não perdi a oportunidade. Estava sentado perto da minha barraca, vi a aproximação e o convite pra dar uma volta. Louie segurava uma toalha, me olhou, sorriu e andou em direção ao início do bosque em que fazíamos nossas festas. Fui atrás, sem dúvida! Como se estivesse hipnotizado por ela.

Ao seu lado me senti outra pessoa. Novamente esqueci tudo a minha volta. Ela era cheirosa, não estava sempre chapada, parecia observar tudo. Tinha algo diferente em Louie. Olhava fixo nos meus olhos ao falar. Escutava da mesma forma. Sua beleza contrastava com sua inteligência. “Como pode existir alguém assim?”, pensava comigo.

Naquele período acreditávamos em ideais, as pessoas faziam parte daquilo. Porém Louie me fazia acreditar nela! Causava uma grande confusão na minha cabeça estar ao lado daquela deusa. Isso me fazia melhor, aquilo me dava conforto, sensação de poder, status... tudo ao contrário do que vivia na comunidade e parecido com minhas festas no bosque.

Então... ela me olhou docemente e veio aos meus lábios. Fechei os olhos e senti o melhor beijo da minha vida.

Depois desse dia tudo mudou. Louie agora era minha. Como se ela fizesse parte de uma propriedade particular. Tinha ciúmes da intimidade dela com Vincent, não gostava dele. Contava os minutos pra tirar sua roupa, ir ao bosque na sua companhia...  

...

Numa tarde passei um pouco dos limites. Talvez ultrapassar uma linha que divide o certo do errado, muitas vezes, pode dar certo. Aquilo mudou nossas vidas.

Percebi Vincent discutir com Louie. A impressão era de que ele precisava de algo e ela não queria dar. Discutiram até entrar na barraca. Fiquei curioso e fui lentamente até eles, sem permissão entrei. Então a vi aplicar uma dose de algo no braço dele, que entrou em transe.

Louie me chamou pra sair.

...

- O que foi aquilo? – perguntei a ela.
- Heroína.
- Sério!
- Sim... Vincent é viciado.
- Mas como assim, você aplica nele e não usa?
- Não.
- Vocês são misteriosos mesmo!
- Olha... nós temos alguma coisa não é? Quer dizer... posso confiar em você?
- Claro!
- Bom... primeiro quero dizer que não  gostei do que você fez... entrar na barraca daquela forma, mas já que entrou... bom... eu  contaria isso pra você mais cedo ou mais tarde...
- Certo...
- Mas o que eu quero dizer... ou melhor... eu quero chegar num ponto que não sei se você está preparado ou disposto. Quando estava na estrada com Vincent sugeri parar aqui, pois imaginei que as pessoas daqui gostassem de aventura. Certo?
- Certo.
- Você toparia um desafio?
- Que tipo de desafio?
- Toparia um desafio ou não?
- Claro! – respondi eufórico.
- Olha... existem certas coisa que podem sair do controle, menos a nossa confiança. Não esperava conhecer alguém como você, ainda mais nessa comunidade, mas a vida nos revela surpresas e agora quero ficar ao seu lado.  

...

Aquelas palavras, aquele olhar. Ela é imponente. A única coisa que vejo são as novas perspectivas. Antes imaginava morrer livre no meio do mato. Agora quero seguir a minha vida ao lado dessa pessoa. Antes acreditava lutar contra a guerra através do paz e amor. Agora meu amor pode me levar à guerra.

...

- A minha dúvida (disse ela com olhar desafiador) é se você está preparado pra estar ao meu lado.
- É claro que estou...
- Está? Aqui vocês parecem todos inocentes...
- Inocentes do que? E culpados por quê?
- Parecem inocentes no sentido de que tudo é bom... tudo é azul... tudo é legal... basta ter um baseado, heroína, LSD, que está tudo bem...
- E não está?
- Depende.
- Do que?
- Dos objetivos.
- E quais seriam eles?
- Não penso em morrer aqui. Longe disso. Tenho projetos maiores. Não quero criar raízes neste lugar, muito menos carregar a âncora do Vincent pelo resto da minha vida.
- Eu também sou uma âncora?
- Não, você pra mim, até agora, me parece uma solução. É a pessoa que sonho levar comigo!
- Cuidado com o que fala, desse jeito sou capaz de fazer tudo pra ser levado por você.
- Tudo! Como assim? Tudo o que? – disse meio misteriosa.

...

A euforia provocada pelas palavras de Louie me despertou a selvageria. Tinha esquecido como era bom sentir aquilo. Olhei pra ela, ainda não era hora de mostrar minha arte, a hora agora era de fazer um sexo selvagem. Entramos no bosque e desta vez cuidei de tudo...

...

Exaustos deitados numa toalha no meio do mato, olho pra ela e percebo seu olhar de satisfação. “É disso que ela gosta. Ela também é selvagem!” – pensei comigo.

- Então você é selvagem? – brinquei com ela.
- Mais do que você imagina...
- Sério! Gosta de matar... cortar... morder... comer... estuprar... – disse sorrindo, com sarcasmo.
- Por aí...

Essa resposta não teve a mesma conotação de brincadeira da minha pergunta. O que fez levantar um ponto de interrogação na minha cabeça.  

...

Minha dúvida se tornou certeza quando Louie disse que as doses de heroína pra Vincent era uma estratégia pra fazê-lo falar. A intenção dela era aplicar doses diárias da droga e fazê-lo revelar o caminho do seu dinheiro.

...

- Vincent tem muito dinheiro, você não faz ideia do quanto!
- Sério... como você sabe?
- Eu sou a mulher dele, esqueceu?

...

Sempre esquecia que eles eram um casal, afinal, nós também éramos um casal e combinávamos muito mais. Por isso Vincent estava com seus dias contados.

...

Louie comentara que a família de Vincent era de republicanos americanos que na década de 50 desciam o mapa em direção a ‘cidade proibida’, Havana – Cuba, pra gastar seus dólares com jogos, prostitutas e festas. Ela dizia que em jantares todos eles falavam sobre a ilha em que os republicanos iam deixar seu conservadorismo de lado.

Na maioria das vezes as ‘reuniões’ eram fechadas e eram marcadas pelo encontro do alto escalão republicano americano, membros ligados a KKK e a extrema direita mundial. Sobrava pro povo cubano aturar toda essa merda, já que o governo da época tinha ligações obscuras com os americanos e pra manter esses laços, o governo da ilha, transformou seu país num puteiro e num cassino. Era lá que Frank Sinatra afiava seu gogó.  

...

- Tenho nojo da família dele. 
- Entendo. Olha só... eu tenho algumas táticas anti democráticas. Sabe como é... os fins justificam os meios. Posso fazer o Vincent falar. Agora preciso saber qual é o plano.
- O plano é o tirarmos de perto das pessoas. Vamos pra algum lugar em que não haja incomodo. Daí, com doses de heroína, o fazemos falar. O que acha?
- Acho que a heroína podemos guardas pra alguma ocasião especial. Tenho métodos mais eficazes.

...

Vincent estava na barraca meio doidão, o que facilitou pra sairmos do acampamento. Comentei com alguns amigos que iria cair na estrada com o casal. Levantei minhas coisas, preparei as armas e ainda por cima levei uma surpresinha pra Louie saber como funciona meu método.

Os dois já estavam preparados também. Então eu, meu amigo, Louie e Vincent fomos em direção ao bosque.

...

- Você está estranho – disse Louie pra mim.
- É que toda vez que entro nesse bosque parece que outro ser toma conta de mim.
- Como assim? – questionou ela.
- Ele tem um amigo oculto! – disse Vincent doidão. Olhei pra ele com ódio. “O que esse desgraçado falou? Vou matá-lo”.
- Logo você vai entender Louie. Quando chegar ao meu santuário dentro desse bosque, irá entender. Já você Vincent, cuidado com a língua.
- Ah! Cala essa boca. Pensa que eu não sei quem você é? Conheço seu tipo. Você tem um amiguinho que muda sua personalidade. Às vezes você fica violento, às vezes não... o fato é que você não sabe nem quem você é! Estou errado? Claro que não... eu estou sempre certo!

...

Vincent tinha mesmo uma áurea bonita. Era algo cativante. Um personagem impar. Louie havia dito que ele negou ser igual sua família, porém era um pote de ouro ambulante e isso o tornou um alvo.

...

A mata ficou mais fechada, o espaço entra as árvores menores e a luz do sol passava com dificuldade. Sabia que estávamos perto. Louie estava encantada com o lugar e Vincent queria mais heroína. Realmente ele estava completamente dependente.

Logo abriu um espaço entre as árvores. Então os dois pararam. Meu santuário tinha crânios espalhados pelos cantos e ossos jogados por todos os lados. Abri minha mochila enquanto Vincent observava tudo aquilo. O agarrei pelas costas e passei uma corda em seu corpo. Levei-o até uma árvore e amarrei com força. “A festa vai começar!” – pensei comigo.

...

- E aí! O que achou do meu santuário? – perguntei a Louie que olhava tudo aquilo encantada! Sim... ela estava encantada. Isso me deixou eufórico.
- Lindo! De quem são esses ossos?
- A maioria são de hell angels ou hippies que acreditam em papai noel.
- Você fez isso sozinho?
- Não... eu e meu amigo.
- Que amigo?

Não consegui responder.

- Vincent estava certo, você tem um amigo oculto! Não tem problema, eu fico com vocês dois. Tudo bem pra você?

Respondi positivamente com a cabeça. Meu amigo olhava pra Vincent com nojo. Estava na hora da festa começar. Então Louie foi até seu marido pra aplicar mais uma dose de heroína. Neste momento expliquei como deveria ser feito:

- Calma meu amor. Não vamos fazer desse jeito. Tenho uma surpresa pra você.
- O que é?
- Precisamos fazê-lo falar. Por isso eu trouxe uma surpresa. Com toda certeza ele precisará ser anestesiado, assim poderemos negociar as doses...
- O que você trouxe?

Fui até minha mochila e tirei uma garrafa.

- O que é... estou curiosa!
- Observe!

Aproximei de Vincent. Ele estava com os olhos vidrados em mim. Parecia que sabia o que estava pra acontecer. Não entendo o que esse cara tem. O fato é que ele me olhou e disse:

- Trouxe um pouco de água com açúcar pra me fazer sofrer?

Aquilo fez minhas pernas tremerem. “Como ele sabia disso? Foda-se. Não vou ouvir o que esse cara tem a dizer. Sua hora chegou e tenho Louie pra me levar ao inferno”.

- Derrame isso em mim! Traga os filhos pra perto do seu pai. Meu santuário se tornará uma festa! – delirou Vincent, que com os olhos fixos em mim, começou a fazer premonições.

Meu amigo não deixou que eu fosse absorvido pelas palavras de Vincent e me guiou. Então peguei a garrafa e derramei a mistura pelo corpo do nosso refém. Louie havia tirado a camisa dele e começamos a espalhar água com açúcar no nosso amiguinho. 

- Água com açúcar! – disse Louie.
- Pois é... daqui a pouco todo tipo de inseto, formiga e sei lá mais o que percorrerá o corpo dele. Logo começarão a corroer sua pele. Ele vai precisar de mais droga pra não sentir dor. Ele vai precisar de muita droga pra não sentir dor...
- Gostei da ideia – manifestou Louie, com os olhos radiantes.  

...

Então sentamos uns metros longe de Vincent pra observar a ação da minha surpresa. Também Louie iria me explicar o seu plano pra prosseguirmos.  

Tínhamos uma certeza: já estávamos num caminho sem volta, estávamos sem freios numa estrada com muitas curvas e que beirava constantemente os mais profundos abismos.