quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A iluminada história do capitalista fusca nazi hippie


CAPITULO III



Pisco e sinto lágrimas em meu rosto. Enxugo com um lenço, mas ao olhar, o que vejo é sangue. Levo um susto, vou até o espelho atrás da porta. “Bosta, foi só mais uma alucinação... daria tudo... daria a minha vida por um LSD antes de morrer”.

Mesmo assim, pareço estar num estado de alucinação muito grande. Volto e deito. “Meus fantasmas estão muito reais. O que aconteceu? Foi depois que comprei esse maldito objeto... esse fusca maldito”. Como se percebesse meu estado de breve sanidade... o fusca volta a brilhar.

...

Após nossa primeira festinha, tudo mudou. Nós mudamos. As cores mudaram. A minha chapação mudou. Observo tudo que acontece e isso dá mais vontade de voltar pro mato. Saudade da desigualdade selvagem – definição que descobri quando conheci Vincent e Louie.  

Não íamos com frequência ao nosso acampamento particular. Era uma forma de não despertar suspeita. “Ficar em nosso canto na comunidade e observar as pessoas” era o lema. Selecionava a caça. Funcionava. Sempre surgiam malucos de passagem. Muitos queriam dar uma de espertos e tentar levar outros pra outros acampamentos. Um comércio que ajudava no convencimento das vitimas. Dar um passeio, conhecer outro acampamento... era a última jornada. O fim.   

Estávamos viciados.

Foi então que num belo dia, vimos chegar duas pessoas. Uma delas era Louie. Quando a vi, logo a amei. Senti algo diferente. Ao lado dela, Vincent. Um cara que me chamou a atenção.
  
No começo eles não conversavam com ninguém. Talvez procurassem simplesmente um lugar pra descansar ou fugir. Contávamos com essa possibilidade, pois na primeira conversa que tivemos com Vincent, ele nos pareceu muito inteligente. Louie ficava mais calada, não se aproximava e ainda não havia transado com ninguém.

Numa manhã Vincent chegou e perguntou:

- Há quanto tempo está aqui?
- Sei lá – respondi.
- Mas você acredita em algo? Algo melhor... ter coisas... sabe como é... ter coisas!
- Materialismo? – indaguei.

Ele sentou ao meu lado e disse que sabia do futuro, que viu coisas boas pra mim. Que eu teria muita grana. Que o símbolo hippie não mais faria sentido no meu futuro.

Enquanto ‘escutava’, percebi que pela primeira vez Louie me via. Ela me olhou e tudo tremeu, minha barriga gelou! Minha garganta travou. Nunca havia passado por aquilo. Não consegui fazer nada.

Vincent continuou, não dei a devida atenção. Lembro que ele disse que eu era um monstro selvagem! Ao mesmo tempo eu disse que queria conhecer Louie. Ele a chamou. Fazia tempo que não esquecia de todo resto. Olhava pra ela e ficava desarmado.

E num momento de lucidez, quando saí da hipnose provocada por Louie, entendi que minhas suspeitas sobre Vincent se concretizavam. “Ele é a próxima vítima” – pensei ao olhar ele tragar o baseado e dizer:

- Hoje falamos em dinheiro como um inimigo. Olhe aquele carro velho ali (apontou pra um fusca todo pintado, com o símbolo hippie em vermelho). Vai chegar o dia, daqui umas décadas, que faremos parte de algum tipo de sistema. Cada um deles será um depositário de corações. Nós seremos depositados num lugar escuro, indefesos perante esse poder. Veja o carro escolhido por Hitler pra ser o popular. Olhe... ele está numa comunidade hippie! (Pausa pra um olhar apocalíptico) No futuro haverá outros formatos. Tudo será algum tipo de fachada. Nossas lembranças serão mais curtas, as conversas menos profundas. Seremos um mundo de caricaturas, sustentados por migalhas!  

Aquela premonição me assustou! O olhar apocalíptico de Vincent nos ameaçou.

E isso impulsionou a volta do instinto caçador. Agora ameaçado em seu próprio território.
Vincent será convidado pra uma festa! 

...

No meu quarto, consigo abrir os olhos e vejo meu fusca perder sua luz própria. Como se fosse controlado por ele, também apago.